sexta-feira, 17 de abril de 2009


LAMENTO CONSTANTE


I
São tantos espaços vazios
E não há o que colocar
Falta amor, falta carinho
Falta o chão onde vou pisar
Dos doces beijos que já não sinto
Uma leve mão a me guiar
É a doce brisa que vem vindo
É o vento a me soprar
O dia quente é um desatino
Sofro a intensidade do luar
E sobre anseios eu convido
O amor a me visitar
Tão rápido e tão indelicado
Se foi, me deixando a delirar
Entre sonetos, odes e poesias
Na esperança de continuar
Criar sonhos, cultivar esperança
Cultivar alguém para esperar
Amenizando dores, pescando ilusões
Acho que esse dia pode não mais chegar

II
Deitei-me na cama
Um anjo veio me dizer:
-Calma, pois quem amas
Pode um dia aparecer!
-Anjo maldito!
Aumenta minhas esperanças
Anjo perverso!
Não toque em minhas tranças!
Já me esqueci de escrever
Já não consigo entender
Procuro por um amor que não existe
Procuro o bom que não há em você
Eu dito o ritmo
Mas o compasso é seu
Nem toda gargalhada é um sorriso
Nem todo amor me pertenceu
Me perturba a sua falta
Me esclarece sua presença
E dos romances que já li
Já aumentou minha descrença
O amor pode ser abstrato
Talvez se torne confusão
Com o tempo vira ódio
Depois se transforma em ilusão
Escravo do não saber
Objeto do instinto sobrenatural
Minha chama pelo amor foi perdida
Me escondi como se fosse um animal

III
E o anjo me veio de outra forma
Totalmente angelical
Num corpo de bailarina
Escultura fenomenal
Com os olhos amendoados
E os lindos cabelos compridos encaracolados
Louro, místico e presunçoso
Me senti nele emaranhado
Seus lábios carnudos
Da cor do sangue mais vermelho
E os dentes no mais maroto sorriso
Queria mostrar-me no espelho
Sua cútis pálida e seus dedos finos
Seu abraço e seu amor
Despediu-se dos meus sonhos
Me provocando toda essa dor

IV
-Não posso ficar do seu lado
Sou um ser celestial
E apesar de meu amado
Pra sempre serás um mortal!
-Suas palavras se tornam
Agulhas em meu coração
Me causam desconsolo
E me garantem a ingratidão
Como posso depois de conhecer o amor
Abandonar a vida que sempre quis?
Tão simples, tão querida
Pode ser o que me faria feliz
-A base de tudo é o tempo
E o destino é algo impossível de se mudar
Se for pra ser será
Se não for para ficar irei voltar
-Acabarei com a minha vida
Isso será a solução
Irei lhe encontrar no paraíso celeste
E poderemos viver essa paixão
-Não sejas tolo e impreciso
Os suicidas pra cá não subirão
Te sobrariam as tristes ruínas
Do amor na escuridão
-E o que farei?
Não me resta pensamento
Depois de saber que o amor existe
Só posso viver em total lamento
-Os anjos também choram!
Mas os nossos dias não existem
Vivemos em pensamentos
Que em nós pra sempre resistem
Os anjos também amam!
E isso não posso omitir
Diferente de tu, humano!
Que sabes tão bem mentir
Os anjos também sofrem!
Há amargura em fazer alguém feliz
Nós nos envolvemos
Para realizar o que quis
-Como pode realizar o que desejo
Se não pode ficar perto de mim?
Viver sob todo esse anseio
Se tornará o meu fim!
-Acalma-te meu amor
Pois agora irei falar
Tudo o que chamou de dor
Foi o que veio a desejar
O que existe de bom
Não posso te dar
Te darei agonias e tristezas
E um amor para chorar
Não existe dor mais forte
Do que a provocada pelo amor
Infelizmente sigo ordens
E são mediadas pelo Senhor
-Quem é Deus atrás desse céu?
Como pode me deixar em agonia
Sofrendo com as lembranças
Que se vão com a ventania?
-Ele age de formas misteriosas
Sua vontade é divina
Deus é amor, benevolência
Mas há algo que atina
-Como pode ser Ele amor
E não me deixar amar?
Por que essa violência
No jeito de me castigar?
-O castigo não é teu
É meu na verdade
Pois terei que chorar no seu túmulo
Por toda a eternidade

V
Depois de um doce beijo
Meus lábios embranqueceram
E todos os meus desejos
Sem demora me esqueceram
A luz e o anjo foram embora
E me deixaram as lembranças
São poucas as horas passadas
Dessa maldita esperança
Os dias são mais curtos
As noites mais escassas
E vivo com os vultos
De todos os meus fantasmas
Sei que quando morrer
Não sentirei mais dor
Mas aquele anjo que não morre
Só viverá desse amor
Tudo tem seus motivos
Tudo tem sua razão
Se não posso entender Deus
Como posso entender o coração?
Justos e injustos...
Leais e traidores...
Anjos e demônios...
Caça e caçadores...
E a meu amado anjo
Não quero lhe ver chorar
Mas infelizmente minha missão
É saudades lhe deixar...



                                                                                                   Celso Kadora  (04/02/03)

POEMAS E POESIAS


POEMAS E POESIAS

O sol nasce para a poesia soar
Sorrindo para a vida poemas do coração
E dentro de nós explode a vontade de lutar
Pelo amor que vem do caminho da inspiração
Esse mundo que acreditamos um dia mudar
Com palavras doces escritas por delicadas mãos
E nosso tempo nesse mundo pode acabar
Mas nossos escritos mantidos nunca perecerão
Porque somos poetas, diplomatas da escrita sem cessar
Donos de poesias, que no futuro, um dia entenderão
Frases simples, orações singulares que todos vão cantar
Para clarear, expandir no íntimo a revolução
Poemas inspiram, animam e passam a revigorar
Faz-nos senhores de nós, é para a mente a evolução
São letras de uma música que está para desafiar
Nossas auto-autoridades, os limites de nosso não
Coloca a pureza do amor, a necessidade de amar
Retira toda dor e coloca paixão
Dá-nos Deus e a natureza para emoldurar
Para lembrar com a mente e escrever com o coração

                                                                                                     Celso Kadora (16/12/05)

NO ESPELHO


NO ESPELHO



Quando olho nos seus olhos
Eu vejo a noite cair
Quando me olho no espelho
A minha face não me sorri
Eu travo uma luta inútil
Não sei do que, mas eu corri...
De olhos bem fechados
As trevas com seu tudo e nada vi
Pois corria contra o nada
Eu fugia de mim
Das suas dores, de minha ausência
De tentar e não fingir
Porque eu sou você, você é eu
Nós somos eu enfim
É a minha face no espelho
Que pula e a deixo cair
Quebrada em seu mundo, minha face alvada
Que pra mim não consegue mentir
Pra não me fazer chorar,
Para não ter remorso e depois partir

                                                                            Celso Kadora (25/04/01)

O URSINHO E EU


O URSINHO E EU

     Quantas vezes me peguei na tentação de acabar com a minha vida... Podia ser uma faca, uma arma de fogo, um frasco cheio de comprimidos, qualquer coisa com o poder de me destruir.
     Pensei que teria de ser indolor e rápido, fui pra cima de uma ponte, na verdade era um elevado acima de uma linha de trem, uns vinte metros de altura mais ou menos, era pra mergulhar de cabeça, mas raciocinei: tem tanta gente que sobrevive a cada tombo! E se eu só quebrar a coluna e continuar vivo? Aqui não é o lugar certo, é muito baixo, corro riscos de não acertar!
     Encontrei o prédio mais alto da cidade, mas era impossível de entrar por ser residencial e, daí eu procurei o mais alto prédio comercial, achei um de quinze andares. Entrar foi fácil! Pra subir até o terraço tinha de passar pelo apartamento do zelador, a porta estava fechada, passei tranqüilo, cheguei a portal final, iria ser a última porta que abriria, pensei. Travada! Droga! Reparei que era ferrugem e que iria ter de forçar e o barulho ia chamar a atenção do zelador, o que eu iria fazer?
     Já me imaginei arrombando a porta e correndo até não encontrar mais o chão e mergulhar para o fim. O fim? Fim do que? As coisas estavam todas ofuscadas, nada parecia dar certo. A mulher que eu amava estava grávida de mim, mas estava fazendo tudo para abortar, e mesmo sem querer eu a apoiava, afinal eu a amava. Falei para que se casasse comigo, mas eu tinha dezoito anos, desempregado, recém-formado em Dramaturgia (isso não era nada lucrativo) e ela separada a uns seis meses com um filho de um ano e três meses e grávida de novo com vinte e um anos. Eu não podia mudar as coisas, fiquei de mãos atadas.
     Arrumei um Citotec, um remédio para úlcera no estômago, totalmente abortivo, vendi alguns pertences pessoais para conseguir a grana para comprá-lo. Ela tomou, não resolveu, o ânimo dela ficou pior, ela estava desesperada, tanto que procurou uma clínica de aborto, achou, o preço? Exorbitante, eu teria de fazer o mundo e não conseguiria o dinheiro para a cirurgia.
     Abri o jogo com ela, não tinha condições! Ela ficou quieta e aquilo me causou um terror que me arrepiou todo.
     Três dias depois ela me chamou e disse que queria um tempo e que iria resolver tudo sozinha, pediu para que eu não chorasse. Era o fim? Não, não foi o pior.
     Tentei procura-la e nunca a encontrava, fiquei sem vê-la durante um mês e finalmente a encontrei no centro da cidade, ela estava feliz, me beijou o rosto, não tocou no assunto, só disse que estava muito bem e foi embora, fiquei espantado, claro, eu a amava, um dia eu parecia tudo pra ela e agora não significava mais nada. O que houve? Fui descobrir e descobri.
     Logo ao me dispensar ela saiu com um advogado que pagou o aborto pra ela. Que prostituta! Pensei. Talvez fosse desespero, não importava mais, ela nunca me amou e eu já tinha entregado meu coração pra ela. Foi mal! Fiquei mal! Me tranquei por vários dias em meu quarto, perdi a noção do tempo, de higiene e educação. Cai na pior depressão da minha vida.
    Ai eu me acordo do lado daquela porta enferrujada, sentado com as mãos nos joelhos, cabeça baixa e chorando muito. Comecei a soluçar, soluçar alto, e naquele corredor o som tinha um eco que acordaria qualquer um.
     Puxei a porta, puxei, puxei, chutei e consegui abrir, ninguém apareceu, bom, bom? Vi o céu, estava perto do meu objetivo, daí olhei para o chão cheio de entulho, cabos, ferramentas, tinha de tudo ali. Encontrei um ursinho de pelúcia marrom e todo molhado, o apanhei e tudo voltou a minha mente continuei a andar, encostei-me no parapeito, não olhei pra baixo, olhei o ursinho e o torci, estava com muita poeira e terra, pensei comigo: é só lavar, ta novinho ainda, mas ta tão sujo... Não é caso perdido!
     Voltei atrás, procurei um tanque ou uma torneira só pra lavar o ursinho. Achei um tambor cheio d’água e ali afoguei o bichinho. Não saiu o encardido, mas ficou limpinho, torci o danadinho de novo, ainda bem que era só um ursinho de pelúcia, e tinha um sorriso tão, tão... Tão tudo!! Eu não tinha reparado naquele sorriso enquanto ele estava todo sujo. Comparei-me ao ursinho. Eu também estava só, jogado, sujo, abandonado... Fui para o parapeito novamente, me apoiei como se fosse só pra olhar, estava segurando meu novo amigo, amigo?
     Lembrei que quando morava num sítio, ainda com meus pais, lembrei de uma tarde em especial, estava com grandes amigos, fizemos uma churrascada pela manhã, de tarde fomos dar uns mergulhos no lago do próprio sítio, foi uma curtição, cada um estava com uma garota, levamo-as embora e voltamos para curtir o pôr-do-sol juntos, havia um lugar especial para isso. Ainda me lembro do Henrique me dizendo:
   -Celsão!  Amigos para sempre! Para o que der e vier!
     Acordei do meu transe e chorei, puxa vida, ele nem sabia o que tava acontecendo e se soubesse não deixaria eu estar ali.
     Lembrei de quando fomos sair com umas meninas bem mais novas que a gente, a que eu estava não sabia nem beijar, até o meu primeiro beijo foi melhor. Meu primeiro beijo?
     Luciene! Eu tinha uns dez ou onze anos, a última vez que a vi eu estava fazendo quinze anos e ela estava linda, loira, com uns cachos lindos, os olhos castanhos claro... Parecia um anjo. No beijo a gente estava ouvindo My Way na voz de Elvis Presley, ela adorava Elvis e passei a gostar também, até hoje eu choro de alegria e emoção ao ouvir My Way.
     Alegria?
     Pois é! Eu estava com “meu” ursinho e sorrindo ao lembrar das coisas que eu já havia vivido! Todos os meus amigos, todas as noites de farra, todos os beijos (e como eu beijei), as vezes que sai de casa escondido, as vezes que matava aula pra tocar em algum bar e às vezes até boteco, as brigas (geralmente me saía bem), as garotas que eu conquistava, as garotas que me conquistaram, as que diziam que me amavam, que fariam tudo por mim, fariam tudo por mim...
     Olhei já o entardecer, lembrei novamente daquele pôr-do-sol com meus amigos, pensei que deveria repetir momentos como aquele.
     Olhei para baixo e disse para mim mesmo: lá é o fim de tudo! Adeus pores-do-sol beijos, farras, música, My Way, adeus alegria!?
     Vi o céu avermelhado, pronto para escurecer, como o ursinho eu poderia voltar a ser como era, mas não podia fazer isso sozinho, precisava das pessoas que acreditavam em mim, que me queriam bem. Pensei na minha família, há tempos eu não via meus pais, meus irmãos, minha vó...
    -Vou ligar pra eles!
      Pensei num monte de coisas que eu queria fazer, e eu sei que poderia fazer! Afinal eu tinha amigos, tinha família, o que eu estava fazendo ali? Perder tudo o que eu tinha pra viver por causa de algo que tinha conserto?
Vi uma estrela, vi as nuvens no céu escuro, me chamou tanto a atenção em como elas se movimentavam... eu sabia como era o ciclo da chuva, o que passava pela minha cabeça...eu era inteligente, eu sou inteligente!
Chorei, sorri, passei a minha vida inteira como um filme por diante dos meus olhos, poderia até fazer um filme, quem sabe até concorrer ao Oscar, é um sonho. Talvez uma autobiografia, sei lá... Tenho tantos sonhos, só basta vive-los.
Se alguma coisa te entristece há várias para te fazer sorrir, com certeza!
Sei que ainda vou chorar muito por aquela a quem entreguei meu coração, mas sei que vou viver muito mais e melhor sem ela. Um dia eu aprendo a viver com a tristeza!
Cheguei a conclusão de que o suicídio não era a solução, que a coragem não está em se matar, mas em viver a vida com todos os seus altos e baixos, em fazer dos erros um aprendizado.
Eu aprendi que a vida é pra ser vivida, a gente tropeça sempre porque a gente não sabe onde anda, mas levantamos e continuamos seguindo pra sempre podermos estar acima de tudo!
Quanto ao ursinho... Ao descer o prédio e chegar a rua, percebi como aquele bichinho me ajudou e que seria egoísmo guardá-lo pra mim, ele era divino e deveria ajudar outras pessoas também. Ao passar pela praça central da cidade vi uma senhora de idade, sentada, parecia bem triste, parei bem em frente dela e disse:
    -Oh, tenho algo pra senhora!
Dei-lhe o ursinho meio úmido ainda. Ela o apanhou e me sorriu surpresa:
    -Está me dando ele? Por quê?
Parei por um momento e sorri:
    -Não dá pra tomar conta dele agora! Tenho de ir pra casa fazer a barba, tomar um banho e me aprontar pra noite que promete!! 

                                                                                                                    Celso Kadora

COMO TUDO COMEÇOU


COMO TUDO COMEÇOU

O engraçado é como tudo começou...
Sempre é uma interessante história de como alguém descobriu seu verdadeiro talento. Por exemplo, o vocalista da banda Mamonas Assassinas, Dinho, estava numa festa nas ruas do bairro quando a banda que tocava perguntou se alguém queria cantar uma música, com os amigos insistindo, Dinho acabou subindo naquele palco e cantando uma musica da Legião Urbana, não me lembro a música, mas o fato é que ele passou a ser parte daquela banda, virou líder dela, compôs inúmeras músicas que viraram inesquecíveis hits mesmo depois de uma dezena de anos passados da sua morte.
Se for falar de inúmeros famosos teremos interessantes histórias por toda a vida, mas e quem não se tornou famoso? Muita gente descobriu seu talento e não conseguiu a fama e continua no anonimato realizando ótimos trabalhos, tanto na arte como no social.
Infelizmente, não posso falar dos outros, só posso falar de mim mesmo.
Acredito que o meu maior talento seja o ato de escrever razoavelmente bem, então vou deixar o leitor sabendo como tudo começou.
Geralmente tudo acontece muito cedo, quando nem mesmo nos damos conta que somos alguém. Comigo não foi diferente, fui criado numa família de Testemunhas de Jeová, onde os estudos e leitura eram realmente levados a sério, ao extremo. A leitura era obrigação,mas havia harmonia na família,lembro da minha mãe contando inúmeras histórias infantis durante a noite, ela criava inúmeras delas e em certas vezes me solicitava a contar histórias também, com o passar do tempo reparei que em algumas noites só eu contava histórias pros meus irmãos, e o mais estranho de tudo isso é que mesmo quando eu reparava que eles já estavam dormindo eu continuava pra eu mesmo saber o final da trama que eu inventava.
O tempo foi passando, depois de tantos dias imaginando histórias pra contar de noite, eu decorava mentalmente algumas delas, eu entrei na pré-escola, não foi muito útil pra mim, lá existiam muitas brincadeiras e pinturas, mas eu queria muito mais que aquilo. Essas atividades, hoje penso assim, atrofiavam meu cérebro. Mas meus pais, muito envolvidos com a religião, nos liam muita coisa, e com muita paciência da minha mãe, aprendi a “ver” algumas palavras como nomes de personagens e cidades bíblicas. Isso sim era melhor que a escolinha.
Com cinco anos entrei na minha primeira série, claro que no segundo mês de aula já tinha completado meus seis anos. Mas entrei com cinco. Bem o fato não é esse e sim a minha felicidade em ter a oportunidade de aprender a ler, me imaginava lendo todos os livros que meus pais liam pra mim, eu iria poder ler sozinho. Mas é claro, ter a responsabilidade de manter meu material escolar em perfeito estado era uma regra a ser cumprida. Minha mãe numerava as folhas do meu caderno para que eu não as arrancasse, borrões eram iguais a boas palmadas. Num certo dia eu borrei meu caderno e pra apagar o borrão passei a borracha na ponta da língua e quando a borracha esfolou o papel e o furou... Entrei num desespero tímido e recolhido, sabia que quando chegasse em casa “a cinta ia cantar”, e realmente foi assim, me lembro da surra até hoje. Mas não reclamo da rigidez que, principalmente minha mãe, tinha comigo. Ela era insistente, comprava cadernos de caligrafia, “a prática leva a perfeição”. As vezes era triste ter que ficar fazendo o dever de casa quando era pra brincar, mas isso teve muitos bons resultados, apesar de menino eu tinha uma letra super bonita, algumas meninas até a invejavam, eu escrevia em letras de formas, letras de mão, deitava pra direita, deitada pra esquerda, eram diversos tipos de letras, isso pra mim, acabou virando uma arte, eu conseguia imitar quase todo tipo de letra. Mas se engana quem pensa que falsificar a assinatura do meu pai em advertência era o meu talento. Acho que meu talento foi descoberto na terceira série...
Ainda me lembro da professora Nilcéa da minha terceira série, um amor de pessoa, com o tempo descobri que pessoas amáveis conseguem extrair o que quiser da gente por não ter esse objetivo. Mas voltando ao assunto, numa certa ocasião minha professora pediu para que eu chamasse meus pais até a escola, eu não entendia, eu não tinha feito nada de errado até então, mas devido a educação que tive em casa, só abaixei a cabeça e consenti com o pedido da professora. No outro dia, minha mãe e a professora conversaram em particular e eu pensava: o que eu fiz dessa vez, vou apanhar quando chegar em casa e nem sei porque. Depois disso a minha mãe me chamou, ela tinha em mãos uma redação que escrevi durante a aula, falou amavelmente que a professora estava preocupada comigo pelo que escrevi na redação. A redação fala de choro em túmulo, de alguém que não voltaria mais, a morte de um ente querido...
-Celso, você teve alguma amiguinha que morreu ou que esta muito doente? – disse a professora – sua mãe disse que não houve problemas na sua família, então com quem que aconteceu isso, fala pra mim, nós estamos preocupadas com você. Por que você escreveu isso?
-Ah professora... - respondi com certo alívio – essa é uma história de uma vaquinha chorando pela outra vaquinha que morreu.
Daí virei o papel que escrevi a redação e mostrei o desenho, colorido, de uma vaquinha chorando com uma flor na boca em frente a uma lápide e um monte de terra. Elas suspiraram com um alívio... E eu fui pra casa e não apanhei!
Durante aquele ano fui muito especulado pela professora sobre de onde vinha aquela imaginação, ela lia em voz alta pra toda classe todas as minhas redações, e vivia sobre muitos elogios. Minha mãe mantinha um orgulho contido. Ela notou que eu tinha um certo talento mas não me elogiava e não falava a respeito, e, continuava com a rigidez de sempre a respeito de estudos e materiais escolares.
Um ano depois da “história da vaquinha”, minha alegria em escrever estava diminuindo,eram muitos papéis que se perdiam, eu comecei a ficar insatisfeito com isso. Eu senti a necessidade de uma organização particular, eu queria o que eu escrevia em letras impressas.
Enfim, terminei o ciclo básico de estudo, passei para a quinta série, eu estava indo para o ginásio (de quinta a oitava série). Foi quando meu pai me falou:
-Você passou de ano, vou te dar um presente, o que você quiser. E então? O que vai ser?
Meu pai me dizendo aquilo, o que pedir? Não pensei muito para responder:
-Eu quero uma máquina de escrever!
Fantástico, eu conseguiria resolver parte do meus problemas de organização e teria minhas letras impressas que nem nos livros! Isso pra mim era o máximo.
Imagina a minha alegria quando minha máquina de escrever chegou, uma linda Remington 25 portátil. Eu não desgrudava dela, dormia sobre ela. Eu datilografava todos os discursos dos meus pais (quando se apresentavam na tribuna do Salão do Reino das Testemunhas de Jeová).
Eu escrevia de tudo, sobre tudo... Foi quando li Espumas Flutuantes de Castro Alves, isso foi mágico pra mim, entrei num outro mundo, outro jeito de se escrever, um novo, mas antigo, jeito de falar. Isso é POESIA! Acho que não preciso dizer pro leitor qual é o meu estilo preferido de escrever, até hoje, pra mim, não existe livro de poesia melhor do que Espumas Flutuantes, Camões com Os Lusíadas que me desculpe, mas ninguém no mundo falou tão bem sobre o amor, sobre amores, sobre suas assombrações e seus deveres sociais como Castro Alves. Dentre tantas, O Laço De Fita é o meu poema favorito. Ele foi minha inspiração para iniciar escrever poesias, das poesias que nunca larguei, evolui para as composições musicais e daí para a música.
Hoje, sou Dramaturgo, músico, compositor, escritor e poeta. Essa é a minha arte! Mesmo no anonimato nacional continuo seguindo o meu caminho, infelizmente não ganho a minha vida com nenhum desses, apesar de já me renderem algo em diversas vezes, mas continuo porque é o que eu gosto, é o meu dom, a minha sina, talvez a minha “missão”. Pra uns é a minha perda de tempo, pra outros foi uma ajuda divina numa palavra, as vezes insignificante até pra mim.
Acredito que cada um que existe tem a sua “missão”, seja ela pra ajudar ou atrapalhar. Quem sabe eu possa espalhar uma certa alegria e esperança pelo que escrevo. Pois é disso que trato sempre, a chance de recomeçar, a esperança de que tudo vai melhorar, de que você tem o poder de mudar a sua vida para melhor, de que a imensidão é o limite. Sonhar faz bem, imaginar é um caminho pro “conseguir”. Por isso, como escrevi numa música, “rasgo o mundo em milhares de anos que vou escrever”. Esse é o meu talento, vou me aproveitar dele enquanto viver, porque faço do meu talento a minha alegria, o caminho para o amor incondicional, o caminho pra Deus, a vontade de continuar a viver, a vontade de continuar a fazer viver.
Mas o engraçado é como tudo começou...




                                                                                        Celso Kadora (17.03.09)