sexta-feira, 17 de abril de 2009

O URSINHO E EU


O URSINHO E EU

     Quantas vezes me peguei na tentação de acabar com a minha vida... Podia ser uma faca, uma arma de fogo, um frasco cheio de comprimidos, qualquer coisa com o poder de me destruir.
     Pensei que teria de ser indolor e rápido, fui pra cima de uma ponte, na verdade era um elevado acima de uma linha de trem, uns vinte metros de altura mais ou menos, era pra mergulhar de cabeça, mas raciocinei: tem tanta gente que sobrevive a cada tombo! E se eu só quebrar a coluna e continuar vivo? Aqui não é o lugar certo, é muito baixo, corro riscos de não acertar!
     Encontrei o prédio mais alto da cidade, mas era impossível de entrar por ser residencial e, daí eu procurei o mais alto prédio comercial, achei um de quinze andares. Entrar foi fácil! Pra subir até o terraço tinha de passar pelo apartamento do zelador, a porta estava fechada, passei tranqüilo, cheguei a portal final, iria ser a última porta que abriria, pensei. Travada! Droga! Reparei que era ferrugem e que iria ter de forçar e o barulho ia chamar a atenção do zelador, o que eu iria fazer?
     Já me imaginei arrombando a porta e correndo até não encontrar mais o chão e mergulhar para o fim. O fim? Fim do que? As coisas estavam todas ofuscadas, nada parecia dar certo. A mulher que eu amava estava grávida de mim, mas estava fazendo tudo para abortar, e mesmo sem querer eu a apoiava, afinal eu a amava. Falei para que se casasse comigo, mas eu tinha dezoito anos, desempregado, recém-formado em Dramaturgia (isso não era nada lucrativo) e ela separada a uns seis meses com um filho de um ano e três meses e grávida de novo com vinte e um anos. Eu não podia mudar as coisas, fiquei de mãos atadas.
     Arrumei um Citotec, um remédio para úlcera no estômago, totalmente abortivo, vendi alguns pertences pessoais para conseguir a grana para comprá-lo. Ela tomou, não resolveu, o ânimo dela ficou pior, ela estava desesperada, tanto que procurou uma clínica de aborto, achou, o preço? Exorbitante, eu teria de fazer o mundo e não conseguiria o dinheiro para a cirurgia.
     Abri o jogo com ela, não tinha condições! Ela ficou quieta e aquilo me causou um terror que me arrepiou todo.
     Três dias depois ela me chamou e disse que queria um tempo e que iria resolver tudo sozinha, pediu para que eu não chorasse. Era o fim? Não, não foi o pior.
     Tentei procura-la e nunca a encontrava, fiquei sem vê-la durante um mês e finalmente a encontrei no centro da cidade, ela estava feliz, me beijou o rosto, não tocou no assunto, só disse que estava muito bem e foi embora, fiquei espantado, claro, eu a amava, um dia eu parecia tudo pra ela e agora não significava mais nada. O que houve? Fui descobrir e descobri.
     Logo ao me dispensar ela saiu com um advogado que pagou o aborto pra ela. Que prostituta! Pensei. Talvez fosse desespero, não importava mais, ela nunca me amou e eu já tinha entregado meu coração pra ela. Foi mal! Fiquei mal! Me tranquei por vários dias em meu quarto, perdi a noção do tempo, de higiene e educação. Cai na pior depressão da minha vida.
    Ai eu me acordo do lado daquela porta enferrujada, sentado com as mãos nos joelhos, cabeça baixa e chorando muito. Comecei a soluçar, soluçar alto, e naquele corredor o som tinha um eco que acordaria qualquer um.
     Puxei a porta, puxei, puxei, chutei e consegui abrir, ninguém apareceu, bom, bom? Vi o céu, estava perto do meu objetivo, daí olhei para o chão cheio de entulho, cabos, ferramentas, tinha de tudo ali. Encontrei um ursinho de pelúcia marrom e todo molhado, o apanhei e tudo voltou a minha mente continuei a andar, encostei-me no parapeito, não olhei pra baixo, olhei o ursinho e o torci, estava com muita poeira e terra, pensei comigo: é só lavar, ta novinho ainda, mas ta tão sujo... Não é caso perdido!
     Voltei atrás, procurei um tanque ou uma torneira só pra lavar o ursinho. Achei um tambor cheio d’água e ali afoguei o bichinho. Não saiu o encardido, mas ficou limpinho, torci o danadinho de novo, ainda bem que era só um ursinho de pelúcia, e tinha um sorriso tão, tão... Tão tudo!! Eu não tinha reparado naquele sorriso enquanto ele estava todo sujo. Comparei-me ao ursinho. Eu também estava só, jogado, sujo, abandonado... Fui para o parapeito novamente, me apoiei como se fosse só pra olhar, estava segurando meu novo amigo, amigo?
     Lembrei que quando morava num sítio, ainda com meus pais, lembrei de uma tarde em especial, estava com grandes amigos, fizemos uma churrascada pela manhã, de tarde fomos dar uns mergulhos no lago do próprio sítio, foi uma curtição, cada um estava com uma garota, levamo-as embora e voltamos para curtir o pôr-do-sol juntos, havia um lugar especial para isso. Ainda me lembro do Henrique me dizendo:
   -Celsão!  Amigos para sempre! Para o que der e vier!
     Acordei do meu transe e chorei, puxa vida, ele nem sabia o que tava acontecendo e se soubesse não deixaria eu estar ali.
     Lembrei de quando fomos sair com umas meninas bem mais novas que a gente, a que eu estava não sabia nem beijar, até o meu primeiro beijo foi melhor. Meu primeiro beijo?
     Luciene! Eu tinha uns dez ou onze anos, a última vez que a vi eu estava fazendo quinze anos e ela estava linda, loira, com uns cachos lindos, os olhos castanhos claro... Parecia um anjo. No beijo a gente estava ouvindo My Way na voz de Elvis Presley, ela adorava Elvis e passei a gostar também, até hoje eu choro de alegria e emoção ao ouvir My Way.
     Alegria?
     Pois é! Eu estava com “meu” ursinho e sorrindo ao lembrar das coisas que eu já havia vivido! Todos os meus amigos, todas as noites de farra, todos os beijos (e como eu beijei), as vezes que sai de casa escondido, as vezes que matava aula pra tocar em algum bar e às vezes até boteco, as brigas (geralmente me saía bem), as garotas que eu conquistava, as garotas que me conquistaram, as que diziam que me amavam, que fariam tudo por mim, fariam tudo por mim...
     Olhei já o entardecer, lembrei novamente daquele pôr-do-sol com meus amigos, pensei que deveria repetir momentos como aquele.
     Olhei para baixo e disse para mim mesmo: lá é o fim de tudo! Adeus pores-do-sol beijos, farras, música, My Way, adeus alegria!?
     Vi o céu avermelhado, pronto para escurecer, como o ursinho eu poderia voltar a ser como era, mas não podia fazer isso sozinho, precisava das pessoas que acreditavam em mim, que me queriam bem. Pensei na minha família, há tempos eu não via meus pais, meus irmãos, minha vó...
    -Vou ligar pra eles!
      Pensei num monte de coisas que eu queria fazer, e eu sei que poderia fazer! Afinal eu tinha amigos, tinha família, o que eu estava fazendo ali? Perder tudo o que eu tinha pra viver por causa de algo que tinha conserto?
Vi uma estrela, vi as nuvens no céu escuro, me chamou tanto a atenção em como elas se movimentavam... eu sabia como era o ciclo da chuva, o que passava pela minha cabeça...eu era inteligente, eu sou inteligente!
Chorei, sorri, passei a minha vida inteira como um filme por diante dos meus olhos, poderia até fazer um filme, quem sabe até concorrer ao Oscar, é um sonho. Talvez uma autobiografia, sei lá... Tenho tantos sonhos, só basta vive-los.
Se alguma coisa te entristece há várias para te fazer sorrir, com certeza!
Sei que ainda vou chorar muito por aquela a quem entreguei meu coração, mas sei que vou viver muito mais e melhor sem ela. Um dia eu aprendo a viver com a tristeza!
Cheguei a conclusão de que o suicídio não era a solução, que a coragem não está em se matar, mas em viver a vida com todos os seus altos e baixos, em fazer dos erros um aprendizado.
Eu aprendi que a vida é pra ser vivida, a gente tropeça sempre porque a gente não sabe onde anda, mas levantamos e continuamos seguindo pra sempre podermos estar acima de tudo!
Quanto ao ursinho... Ao descer o prédio e chegar a rua, percebi como aquele bichinho me ajudou e que seria egoísmo guardá-lo pra mim, ele era divino e deveria ajudar outras pessoas também. Ao passar pela praça central da cidade vi uma senhora de idade, sentada, parecia bem triste, parei bem em frente dela e disse:
    -Oh, tenho algo pra senhora!
Dei-lhe o ursinho meio úmido ainda. Ela o apanhou e me sorriu surpresa:
    -Está me dando ele? Por quê?
Parei por um momento e sorri:
    -Não dá pra tomar conta dele agora! Tenho de ir pra casa fazer a barba, tomar um banho e me aprontar pra noite que promete!! 

                                                                                                                    Celso Kadora

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